A Primeira República no Brasil (1889–1930)

História do Brasil

A Primeira República no Brasil (1889–1930) foi um período marcado pela concentração de poder nas mãos das elites, apesar do discurso de modernização e cidadania que acompanhou a Proclamação da República. A exclusão política da maioria da população, especialmente dos ex-escravizados, trabalhadores e camponeses, consolidou uma estrutura de dominação sustentada por fraudes eleitorais, clientelismo e repressão social.

No início do regime, durante a República da Espada, os militares governaram sem participação popular efetiva. A Constituição de 1891 instituiu o voto direto e a divisão dos poderes, mas manteve restrições que beneficiavam os grupos dominantes. Por meio do coronelismo e de práticas como o voto de cabresto, as oligarquias regionais asseguraram seu controle sobre os cargos públicos e os recursos do Estado.

Frente a esse cenário de exclusão e autoritarismo, diversas formas de resistência se manifestaram. Movimentos populares e militares questionaram a legitimidade do regime e denunciaram suas injustiças. O tópico Dominação e Resistência Popular apresenta episódios emblemáticos desse confronto, como a Revolta da Vacina, a Revolta da Chibata e o tenentismo, que evidenciam as tensões sociais do período. Compreender esses conflitos é fundamental para analisar os desafios da construção da cidadania e os legados de desigualdade e autoritarismo que ainda impactam a sociedade brasileira.


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A Proclamação da República: Fim do Império e Início da República

A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, foi um marco decisivo na história do Brasil, encerrando o regime monárquico e dando início à República. Liderada por militares, especialmente o marechal Deodoro da Fonseca, a deposição do imperador Dom Pedro II ocorreu sem a participação direta da população, refletindo as tensões políticas e sociais entre as elites e o Exército.

Esse processo de transição para o regime republicano não representou uma revolução popular. Pelo contrário, foi conduzido por setores descontentes com a monarquia, como intelectuais, elites agrárias e militares. Questões como a abolição da escravidão, a crise econômica e a busca por modernização influenciaram diretamente esse movimento.

Apesar da mudança de regime, muitos interesses das elites foram mantidos. O novo sistema republicano e presidencialista inaugurou um período de reorganização do Estado, marcado pela Constituição de 1891 e pela ascensão das oligarquias regionais ao poder, configurando um cenário de continuidade e rupturas nas estruturas de dominação no Brasil.


1. A República da Espada (1889–1894)

Os primeiros anos da República Brasileira foram marcados pela forte presença militar no poder, em um período conhecido como República da Espada. Essa fase durou de 1889 a 1894 e recebeu esse nome porque os dois primeiros presidentes do Brasil republicano eram militares do Exército: o Marechal Deodoro da Fonseca e o Marechal Floriano Peixoto. Ambos governaram em um momento de transição entre a Monarquia e a consolidação do novo regime republicano.

O contexto da Proclamação da República

O desgaste da Monarquia, provocado por fatores como o fortalecimento do movimento republicano, a insatisfação dos setores militares e a abolição da escravidão em 1888 sem indenização aos antigos senhores de escravos, ampliou o apoio à implantação de uma nova forma de governo. Assim, em 15 de novembro de 1889, um movimento liderado por militares proclamou a República, pondo fim ao Segundo Reinado e exilando o imperador Dom Pedro II.

A República não surgiu de uma revolta popular, mas sim de um golpe militar, apoiado por setores da elite e por parte do Exército. Inicialmente, foi instalado um Governo Provisório, sob a liderança de Deodoro da Fonseca, com a missão de organizar o novo Estado republicano.

O Governo Provisório de Deodoro da Fonseca (1889–1891)

Durante o Governo Provisório, Deodoro governou por decretos, tomando decisões sem a participação de um Congresso eleito. Uma de suas principais medidas foi a convocação de uma Assembleia Constituinte, que elaboraria a Constituição de 1891. Outras ações importantes foram:

  • Separação entre Igreja e Estado: o Brasil deixou de ter uma religião oficial;
  • Extinção do Poder Moderador e de outras instituições imperiais;
  • Liberdade de culto religioso e ampliação dos direitos civis (ainda restritos a determinados grupos);
  • Reforma do sistema monetário, com a criação do mil-réis republicano e abertura à entrada de capitais estrangeiros.

A Crise do Encilhamento

Uma das medidas mais controversas do governo Deodoro foi a reforma econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Rui Barbosa, conhecida como Crise do Encilhamento. Essa crise teve impacto profundo na economia e na credibilidade do novo regime republicano.

Rui Barbosa adotou uma política de emissão de papel-moeda sem lastro, com o objetivo de estimular a industrialização e a criação de empresas nacionais. A ideia era facilitar o crédito e impulsionar o crescimento econômico. No entanto, o resultado foi o oposto do esperado.

A facilidade para obter empréstimos e a ausência de fiscalização estimularam a criação de inúmeras empresas fantasmas ou de funcionamento duvidoso, em um processo de especulação financeira. Investidores aplicavam em ações sem valor real, gerando uma bolha econômica.

Em pouco tempo, a economia brasileira mergulhou em uma forte inflação, aumento dos preços e falência de empresas. O sistema bancário foi abalado e o descontrole fiscal contribuiu para o descrédito do governo.

O nome “Encilhamento” faz referência ao ato de colocar arreios em um cavalo antes de uma corrida, simbolizando a pressa e a imprudência na adoção da política econômica sem base sólida. A crise gerou graves consequências políticas, sociais e econômicas, agravando a instabilidade da República nascente.

Crise Política e Renúncia

A condução centralizadora de Deodoro e sua tentativa de interferir nas eleições para o Congresso aumentaram a insatisfação entre políticos e militares. Ao tentar fechar o Congresso em novembro de 1891, Deodoro deu um passo rumo ao autoritarismo, provocando forte reação da Marinha e de setores civis.

Essa tensão culminou na Primeira Revolta da Armada, liderada por oficiais que exigiam a reabertura do Congresso e o respeito à legalidade. A pressão forçou Deodoro a renunciar à presidência em 23 de novembro de 1891.

Floriano Peixoto e a consolidação da República (1891–1894)

O vice-presidente Floriano Peixoto assumiu o poder mesmo diante de críticas, pois, segundo a Constituição recém-aprovada, novas eleições deveriam ser convocadas se a renúncia do presidente ocorresse nos dois primeiros anos do mandato. A permanência de Floriano gerou reações contrárias, especialmente da Marinha, que liderou a Revolta da Armada (1893–1894), um levante militar que exigia o cumprimento da Constituição.

Floriano, no entanto, resistiu com firmeza e reprimiu a revolta com o apoio do Exército e de grupos civis armados. Essa postura lhe rendeu o apelido de “Marechal de Ferro”, devido à sua rigidez e ao modo autoritário de lidar com opositores.

As Revoltas da Armada: a oposição da Marinha

Durante a República da Espada, a Marinha do Brasil foi um dos principais focos de instabilidade, demonstrando insatisfação com o novo regime e com o protagonismo do Exército. Essa tensão resultou em dois importantes levantes: a Primeira Revolta da Armada, em 1891, e a Segunda Revolta da Armada, entre 1893 e 1894.

Primeira Revolta da Armada (1891)

A Primeira Revolta da Armada ocorreu no final do governo de Deodoro da Fonseca, em meio a uma crise institucional. O presidente, enfrentando oposição no Congresso Nacional e dificuldades para governar, tentou dar um golpe de Estado ao fechar o Congresso em novembro de 1891.

O ato autoritário foi rejeitado por setores civis e militares, especialmente pela Marinha. O almirante Custódio de Melo liderou um movimento rebelde, posicionando navios de guerra na Baía de Guanabara e ameaçando bombardear o Rio de Janeiro caso Deodoro não renunciasse. A pressão surtiu efeito, e o presidente deixou o cargo. O vice, Floriano Peixoto, assumiu a presidência.

Segunda Revolta da Armada (1893–1894)

A Segunda Revolta da Armada teve causas mais profundas. Parte da Marinha e da elite política não aceitava a permanência de Floriano no poder, já que a Constituição previa a realização de novas eleições diretas após a renúncia de Deodoro.

Em 1893, a tensão aumentou, e a Marinha se rebelou com maior intensidade. A rebelião foi novamente liderada por Custódio de Melo e também por Saldanha da Gama. Os revoltosos ocuparam navios de guerra e iniciaram ataques contra o governo, exigindo a saída de Floriano e a realização de eleições conforme a Constituição.

Floriano reagiu com força. Com apoio do Exército e de civis armados, reprimiu o movimento. Como a Marinha tinha menor capacidade de ação terrestre e enfrentava isolamento, os rebeldes foram derrotados.

Consequências das Revoltas da Armada

  • Fortalecimento do poder presidencial e do Exército como principal sustentáculo da República;
  • Enfraquecimento político da Marinha, que perdeu influência após os confrontos;
  • Repressão violenta aos opositores e crescimento do autoritarismo no governo Floriano;
  • Intensificação das disputas entre civis e militares sobre os rumos do novo regime.

As Revoltas da Armada demonstram que os primeiros anos da República foram marcados por instabilidade política e disputas internas nas Forças Armadas. Esses conflitos evidenciam a dificuldade de consolidar o novo regime em um país que viveu quase sete décadas sob o governo monárquico.

Outros conflitos do período: a Revolução Federalista

Outro conflito importante do período foi a Revolução Federalista (1893–1895), que ocorreu no Rio Grande do Sul. A disputa envolveu os maragatos (federalistas) e os pica-paus (republicanos), em uma guerra civil que ultrapassou os limites do estado e ameaçou a estabilidade da República. Floriano enviou tropas federais e reprimiu o movimento, contribuindo para a consolidação do novo regime.

Economia e sociedade na República da Espada

Apesar das crises políticas, o governo de Floriano buscou estimular a industrialização, apoiando a instalação de fábricas e valorizando o trabalho urbano. Houve também incentivo à imigração europeia para suprir a escassez de mão de obra nas lavouras de café após a abolição da escravidão.

No entanto, a população brasileira não participou efetivamente das decisões políticas. O voto era restrito e as eleições, marcadas por fraudes e manipulações. O poder continuava concentrado nas mãos das elites, e as desigualdades sociais permaneciam profundas.

2. A Constituição de 1891 e o Direito ao Voto

A Constituição de 1891 foi a primeira Constituição da República Brasileira e estabeleceu uma série de transformações significativas no modelo político e social do país. Ela instituiu o presidencialismo, o federalismo e a laicização do Estado, rompendo com várias estruturas do Império. No entanto, apesar das inovações, a Constituição ainda manteve uma estrutura que limitava o acesso pleno à cidadania para grande parte da população.

O Presidencialismo e o Federalismo

A Constituição de 1891 estabeleceu o presidencialismo como forma de governo, concentrando o poder executivo nas mãos do presidente da República, que seria eleito diretamente pela população. Essa mudança representou um afastamento do sistema monárquico, no qual o imperador tinha o poder moderador, ou seja, podia intervir diretamente nos demais poderes.

Além disso, a Constituição instituiu o federalismo, dividindo o país em unidades federativas (os Estados), que passaram a ter maior autonomia. Cada Estado teria seu próprio governo e seu próprio sistema legislativo. A criação do Senado foi uma tentativa de representar as diferentes regiões do país, com senadores eleitos pelos Estados.

O Estado Laico

Outro ponto importante da Constituição foi a laicização do Estado, ou seja, o afastamento da Igreja Católica do poder político. Embora o Brasil fosse majoritariamente católico, a Constituição de 1891 declarou a liberdade de culto e retirou a Igreja do papel de instituição oficial do Estado, permitindo a livre prática religiosa.

O Direito ao Voto e a Exclusão da Maioria

Embora a Constituição tenha sido um avanço em termos de liberdade política e social, o acesso à cidadania e, principalmente, ao direito ao voto, era extremamente limitado. O voto era restrito a homens alfabetizados maiores de 21 anos, o que excluía a maior parte da população brasileira, composta principalmente por analfabetos e pessoas marginalizadas.

Além disso, a Constituição não contemplava o voto feminino, que ainda era negado às mulheres, nem o direito de voto aos soldados rasos, padres, mendigos e pessoas sem propriedade. Esse sistema de voto censitário reforçou a desigualdade e a exclusão, uma vez que as classes mais pobres, em sua maioria analfabetas, não podiam participar diretamente da política.

Consequências do Sistema Eleitoral Restrito

Essa limitação no direito ao voto impôs uma democracia elitista e restrita. Embora o país tenha sido proclamado uma República, a participação política de boa parte da população foi negada, e a classe dominante continuou a ter maior poder nas eleições, controlando o processo político de forma excludente.

Com o tempo, essa exclusão do voto e a concentração do poder nas mãos de poucos grupos (principalmente a elite militar e os grandes proprietários de terra) levaram ao descrédito das instituições republicanas e à perpetuação de desigualdades sociais, que só começariam a ser questionadas mais intensamente ao longo do século XX.

A Reforma Eleitoral e a Luta pelo Voto Universal

Embora a Constituição de 1891 tenha estabelecido um modelo de eleições limitadas, a luta pelo direito ao voto universal continuaria nos anos seguintes. A exclusão das mulheres e dos analfabetos, em particular, tornou-se um dos maiores pontos de debate na sociedade brasileira. A reforma eleitoral só ocorreria décadas depois, com a conquista do voto feminino em 1932 e a gradual ampliação do direito ao voto para outras camadas da população.

Transição para a República Oligárquica

Em 1894, encerrando a República da Espada, foram realizadas as primeiras eleições diretas para presidente. O eleito foi o civil Prudente de Morais, representando os interesses da elite agrária paulista. Com isso, teve início a fase seguinte da história republicana: a chamada República Oligárquica, marcada pelo domínio político das oligarquias estaduais.

3. A República das Oligarquias

O domínio das elites regionais deu origem à chamada República das Oligarquias, marcada pela Política dos Governadores e pela Política do Café com Leite. Esta última se referia à alternância no poder entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais.

Esse pacto político excluía amplas camadas da população da vida política e garantia o controle das eleições por meio do coronelismo e da fraude eleitoral.

4. Coronelismo e o Voto de Cabresto

No meio rural, o poder estava concentrado nas mãos dos coronéis, grandes proprietários de terra que controlavam politicamente suas regiões. Esse sistema ficou conhecido como coronelismo e era baseado na troca de favores por votos, prática que ficou conhecida como voto de cabresto.

O Sistema de Poder Local

O coronelismo surgiu no Brasil no período da República Velha (1889–1930), principalmente nas áreas rurais, onde a presença do Estado era fraca ou inexistente. Os coronéis eram figuras de grande influência, dominando a vida social, econômica e política de suas localidades. Eles controlavam o trabalho dos camponeses, que, em grande parte, dependiam dos coronéis para sua sobrevivência, uma vez que estavam subordinados a eles em uma relação clientelista.

Os coronéis, por sua vez, usavam esse poder para garantir sua posição política e econômica, controlando as eleições e influenciando diretamente o resultado das votações. A relação de dependência entre coronéis e trabalhadores rurais era marcada pela troca de favores, como a promessa de empregos, alimentos, proteção e, em alguns casos, até dinheiro. Em troca, os trabalhadores eram obrigados a votar conforme a orientação do coronel.

O Voto de Cabresto

O voto de cabresto era uma prática corriqueira durante as eleições da República Velha. O termo “cabresto” faz referência ao arreio usado para controlar o animal, simbolizando o controle do coronel sobre o voto dos eleitores. Os trabalhadores rurais, em sua maioria em situação de extrema dependência, eram forçados a votar nos candidatos indicados pelos coronéis. O voto era muitas vezes uma farsa, com urnas manipuladas ou votos já definidos de antemão.

Esse sistema não apenas anulava a liberdade de voto, mas também contribuía para a perpetuação do poder dos coronéis nas regiões rurais. O controle do voto garantia a manutenção de sua influência nas esferas municipais, estaduais e até federais. A prática se espalhou por diversas partes do Brasil, especialmente no Nordeste e em áreas menos urbanizadas.

O Papel das Fraudes e a Manipulação Eleitoral

A manipulação eleitoral no coronelismo não se restringia ao voto de cabresto. Em muitos casos, os coronéis podiam recorrer a fraudes eleitorais para garantir que seus candidatos fossem eleitos. As urnas eram, por vezes, abertas antes da eleição, e os votos eram previamente depositados nelas. Além disso, os coronéis usavam de sua autoridade para intimidar eleitores, fazendo com que os resultados eleitorais fossem, muitas vezes, completamente desvirtuados.

Outro aspecto fundamental dessa prática era a violência. Os coronéis usavam a força para assegurar que os votos dos eleitores fossem direcionados conforme suas vontades. Em algumas localidades, o medo e a coação eram tão intensos que os eleitores não tinham qualquer possibilidade de escolha real. O voto de cabresto, portanto, era mais do que uma simples troca de favores; era um mecanismo de controle social e político, muitas vezes sustentado pela intimidação e pela violência.

A Queda do Coronelismo e as Mudanças Políticas

O coronelismo perdurou por várias décadas, mas começou a entrar em declínio com a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder. Vargas implementou uma série de reformas que enfraqueceram a estrutura de poder dos coronéis, como a centralização do poder nas mãos do governo federal e a modernização do sistema eleitoral.

Além disso, o processo de urbanização e industrialização que se intensificou nas décadas seguintes também contribuiu para a redução da dependência das áreas rurais em relação ao poder dos coronéis. A ascensão da classe média urbana e o fortalecimento do Estado também foram fatores determinantes para a diminuição da prática do voto de cabresto.

Legado do Coronelismo

Embora o coronelismo tenha sido enfraquecido com o tempo, seus efeitos ainda são sentidos em várias partes do Brasil. As práticas clientelistas, a troca de favores por votos e a manipulação eleitoral continuaram a fazer parte do cenário político, especialmente nas décadas seguintes. Além disso, a cultura de dependência política nas regiões mais isoladas do país permaneceu, criando uma base de apoio para alguns líderes políticos que ainda hoje exploram essas práticas.

Mesmo diante do domínio das elites, as camadas populares não permaneceram inertes. Diversas manifestações de resistência ocorreram tanto no campo quanto nas cidades.

5.1 Resistência no Campo: Canudos e Contestado

Os movimentos de resistência em Canudos (1896–1897), na Bahia, e no Contestado (1912–1916), nas divisas do Paraná e Santa Catarina, marcaram momentos de intenso conflito social e político no Brasil, refletindo as tensões entre as populações rurais e o poder central, que estava em processo de consolidação na República. Ambos os movimentos foram impulsionados por condições de pobreza extrema, injustiças sociais e a insatisfação com a ordem republicana recém-instaurada. Embora com contextos diferentes, tanto Canudos quanto o Contestado foram duramente reprimidos pelo Exército brasileiro, resultando em um grande número de mortes e em uma profunda transformação no entendimento das lutas populares no país.

O Movimento de Canudos: A Resistência de Antônio Conselheiro

O movimento de Canudos ocorreu no interior da Bahia, entre 1896 e 1897, e foi liderado por Antônio Conselheiro, um líder religioso carismático que atraía milhares de sertanejos, principalmente os mais pobres, marginalizados e deslocados pela seca e pela falta de oportunidades. Esses sertanejos formaram uma comunidade autônoma em Canudos, que, sob a liderança de Conselheiro, pregava uma crítica à República recém-instaurada e se opunha à ordem política e social estabelecida, sendo vista como uma ameaça pelos governantes republicanos.

O movimento se baseava em princípios de solidariedade e ajuda mútua, com a promessa de um mundo mais justo, e procurava resistir às imposições do Estado, que se mostrava distante das realidades do sertão nordestino. Além disso, Canudos se destacava pela sua organização social e econômica, que parecia um modelo alternativo à ordem política centralizada do Rio de Janeiro, o que gerou um sentimento de desafio contra a República.

Com o crescimento da comunidade e a multiplicação de seus seguidores, o movimento foi encarado pelas autoridades como uma ameaça à estabilidade da nova República. O governo enviou várias expedições militares para reprimir Canudos. Após meses de intensos confrontos, o Exército finalmente destruiu a comunidade em 1897, resultando em milhares de mortos, entre combatentes e civis. A repressão a Canudos é um marco da brutalidade do poder militar contra movimentos populares e deixou um legado de sofrimento e resistência no imaginário popular do sertão nordestino.

O Contestado: Resistência aos Abusos de Terras e ao Estado

O Movimento do Contestado aconteceu entre 1912 e 1916, nas regiões fronteiriças entre o Paraná e Santa Catarina, e teve um caráter profundamente popular, envolvendo camponeses, ex-operários e religiosos que se rebelaram contra os abusos de empresas estrangeiras e as expropriações de terras na região. Um dos fatores principais que impulsionaram o movimento foi o processo de grilagem de terras e o avanço de grandes empresas, como a Brazil Railway Company, que estava adquirindo vastas áreas para a construção de ferrovias.

Os camponeses do Contestado, que já viviam em condições de extrema pobreza e exploração, viam suas terras sendo tomadas de maneira ilegal por essas empresas, sem qualquer tipo de compensação. A ação do governo, que apoiava as empresas e não protegia os direitos dos camponeses, também foi um dos fatores que levou à revolta. Além disso, muitos dos camponeses eram ex-operários das ferrovias, que se viam em uma situação de miséria, e religiosos, que denunciavam as injustiças sociais e apoiavam a resistência popular.

O movimento se transformou em uma luta armada contra o poder local, com um forte caráter de resistência ao poder centralizado, representado pelo governo federal e pelas empresas estrangeiras. As forças militares do Brasil reagiram com extrema violência, e a repressão foi brutal. Durante os confrontos, o Exército brasileiro esmagou o movimento, utilizando uma forte estratégia militar. Apesar disso, o Contestado passou a ser um símbolo de resistência contra a opressão das populações rurais e das injustiças praticadas por grandes corporações e pelo Estado.

Legado e Relevância dos Movimentos de Canudos e Contestado

Ambos os movimentos, Canudos e o Contestado, representam a luta das populações rurais e marginalizadas contra a ordem estabelecida, marcada pela desigualdade social e pela centralização do poder nas mãos da elite. Embora ambos tenham sido esmagados pela força militar, eles deixaram um legado de resistência e inspiração para movimentos sociais subsequentes, especialmente nas áreas do Nordeste e Sul do Brasil.

Esses movimentos também ilustram como a República Velha lidava com as questões das populações periféricas e a falta de representação política das camadas mais pobres, que estavam em grande parte alheias às políticas públicas e ao desenvolvimento das regiões mais urbanizadas. O Exército, muitas vezes, foi utilizado para combater esses movimentos e manter a ordem imposta pelo governo, sem considerar as demandas sociais e econômicas dessas populações.

O Impacto na História Brasileira

O movimento de Canudos e o Contestado contribuíram para a formação de uma consciência social em relação à opressão das classes populares, especialmente no campo, e mostraram o caráter autoritário do Estado frente àqueles que desafiavam a ordem vigente. A brutalidade dessas repressões, somada ao sofrimento das populações envolvidas, ajudou a moldar a percepção sobre a fragilidade das instituições republicanas e a incapacidade do governo em lidar com as necessidades das camadas mais pobres e isoladas do Brasil.

5.2 Resistência nas Cidades: Revolta da Vacina e Revolta da Chibata

No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, tornou-se um centro de conflitos sociais marcados pela exclusão das classes populares e pela repressão autoritária do Estado. Dois episódios emblemáticos dessa resistência urbana foram a Revolta da Vacina (1904) e a Revolta da Chibata (1910), que expressaram a insatisfação popular diante de políticas públicas autoritárias, abusos institucionais e desigualdades históricas.

A Revolta da Vacina (1904): Saúde Pública e Autoritarismo

Durante o governo de Rodrigues Alves, o Rio de Janeiro passou por um amplo processo de reforma urbana e sanitária com o objetivo de modernizar a capital. As intervenções, lideradas pelo prefeito Pereira Passos e pelo sanitarista Oswaldo Cruz, incluíam a demolição de cortiços, o alargamento de ruas e a implementação de serviços de limpeza e controle de epidemias como a varíola, febre amarela e peste bubônica.

Essas ações, no entanto, foram conduzidas de forma autoritária e excludente, afetando diretamente a população mais pobre, que era removida de suas moradias sem alternativas de realocação. A gota d’água foi a imposição da vacinação obrigatória contra a varíola, que gerou desconfiança entre os moradores, já que envolvia a entrada forçada de agentes públicos nas casas e a aplicação de vacinas em um contexto de pouca informação e alta repressão.

A população, composta em grande parte por trabalhadores urbanos e desempregados, reagiu com manifestações violentas, barricadas e ataques a prédios públicos. A cidade mergulhou no caos por quase uma semana, e a repressão foi intensa, com centenas de presos, deportações para o Acre e mortes. A Revolta da Vacina revelou não apenas a resistência das classes populares às imposições estatais, mas também a ausência de diálogo democrático e respeito à cidadania por parte do governo.

A Revolta da Chibata (1910): Contra a Violência na Marinha

Em 1910, a Marinha brasileira ainda mantinha práticas herdadas do período escravista, como os castigos físicos com uso da chibata (açoite), mesmo após a abolição da escravidão em 1888. A maioria dos marinheiros era composta por homens negros, pobres e analfabetos, que viviam sob rígido controle disciplinar e em péssimas condições de trabalho, com alimentação precária, jornadas exaustivas e violência física frequente.

O estopim da Revolta da Chibata foi a punição brutal de um marinheiro com mais de 200 chibatadas. Liderados por João Cândido Felisberto, conhecido como o “Almirante Negro”, os marinheiros tomaram o controle de navios da esquadra na Baía de Guanabara e exigiram o fim dos castigos físicos e melhorias nas condições de trabalho.

O governo, inicialmente, atendeu às reivindicações e prometeu anistia. No entanto, logo após a rendição dos revoltosos, muitos marinheiros foram presos, perseguidos e assassinados. João Cândido foi encarcerado e submetido a tortura física e psicológica. A repressão mostrou que, mesmo quando obtinham vitórias parciais, os movimentos populares eram vistos como ameaça à ordem e punidos com severidade.

Resistência Urbana e Construção da Cidadania

Tanto a Revolta da Vacina quanto a Revolta da Chibata demonstram que, apesar da exclusão social e política imposta pelo regime da Primeira República, as camadas populares urbanas resistiram ativamente. Essas lutas revelam as contradições de um modelo republicano que, embora proclamado como moderno e civilizado, mantinha práticas autoritárias e discriminatórias herdadas do período imperial.

Esses episódios são marcos importantes na luta por cidadania, justiça social e respeito aos direitos básicos. Eles evidenciam o protagonismo de trabalhadores, marinheiros e moradores urbanos nas transformações políticas e sociais do início do século XX no Brasil, além de denunciar o racismo estrutural e a violência institucional.

6. O Movimento Tenentista: a Juventude Militar em Rebelião

O Movimento Tenentista foi um conjunto de revoltas promovidas por jovens oficiais do Exército, conhecidos como “tenentes”, que, a partir da década de 1920, passaram a contestar a ordem política vigente na República Oligárquica. Esses militares criticavam o sistema do coronelismo, as fraudes eleitorais e o domínio das oligarquias estaduais na política brasileira, especialmente através da política do café com leite.

Origens e Ideais dos Tenentes

Embora não formassem um grupo homogêneo, os tenentes defendiam uma série de reformas modernizadoras e autoritárias, como:

  • Voto secreto e fim das fraudes eleitorais;
  • Educação pública e gratuita como base para o progresso nacional;
  • Maior centralização do poder federal para combater os abusos dos coronéis e das oligarquias estaduais;
  • Combate à corrupção e moralização da administração pública.

Embora suas ideias fossem reformistas, os tenentes desprezavam os mecanismos democráticos e defendiam intervenções armadas para alcançar seus objetivos, o que os aproximava de um autoritarismo modernizador.

Principais Episódios do Tenentismo

📍 Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (1922)

Em julho de 1922, um grupo de militares se rebelou no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, contra a eleição do presidente Artur Bernardes. Apenas 18 homens marcharam armados pela Avenida Atlântica, enfrentando tropas legalistas. A maioria foi morta, mas o episódio entrou para a história como símbolo do idealismo e da coragem dos tenentes.

📍 Revolução de 1924

Dois anos depois, uma nova revolta explodiu em São Paulo, liderada por militares tenentistas. Eles tomaram a cidade durante três semanas, mas acabaram sendo forçados a recuar após intenso bombardeio do Exército federal. Parte dos revoltosos fugiu para o interior do país, dando origem a outro marco do tenentismo.

📍 Coluna Prestes (1925–1927)

Após a Revolta de 1924, os tenentes se uniram a outros militares e civis descontentes e formaram a Coluna Prestes, comandada por Luís Carlos Prestes e Miguel Costa. Por mais de dois anos, percorreram cerca de 25 mil quilômetros pelo interior do Brasil, denunciando os abusos do regime oligárquico e tentando mobilizar a população. Embora nunca tenham vencido militarmente, seus ideais influenciaram o cenário político nas décadas seguintes.

Legado e Impactos do Movimento

Apesar de derrotado nas armas, o Movimento Tenentista teve importante repercussão política. Seus participantes formaram a base militar da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Muitos tenentes assumiram cargos de destaque durante o governo Vargas, colaborando na construção de um novo modelo de Estado, mais centralizado e intervencionista.

O tenentismo, portanto, simboliza uma tentativa de ruptura com o velho sistema oligárquico, mesmo que por meios autoritários, e expressa a busca de parte da elite militar por protagonismo político em nome da moralização e da modernização do Brasil.

🔗 Interligações com outros temas históricos

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  • 7. Conclusão: O Processo de Cidadania no Brasil Republicano

    A Proclamação da República, em 1889, representou o início de uma nova ordem política no Brasil. Contudo, o processo de construção da cidadania foi repleto de desafios, marcado por profundas desigualdades sociais e pela manutenção do poder nas mãos das oligarquias estaduais. A primeira República brasileira, embora declarasse ideais republicanos e democráticos, foi amplamente dominada pelos interesses de uma elite que excluía a maioria da população, incluindo os negros, os indígenas e as camadas populares urbanas.

    Nos primeiros anos da República, a população brasileira viveu sob um regime oligárquico, caracterizado pelo coronelismo, pelas fraudes eleitorais e pela centralização do poder nas mãos de uma pequena elite agrária. As revoltas populares, como a Revolta da Vacina e a Revolta da Chibata, demonstraram a resistência das classes populares diante de políticas autoritárias, mas também a falta de um projeto real de inclusão e de democracia para todos os cidadãos.

    A cidadania, que deveria ser um direito de todos, foi limitada por um sistema que excluía os trabalhadores urbanos, os negros, as mulheres e as populações do interior. As lutas dos movimentos sociais, como o movimento tenentista, revelaram a busca por um Brasil mais justo e igualitário, mas, ao mesmo tempo, mostraram as limitações do sistema político que, em sua maior parte, preferia a repressão e a centralização do poder a permitir uma verdadeira participação democrática.

    Esse período de transição para a República, portanto, não foi apenas uma mudança de regime, mas um processo complexo de construção de um sistema político que, ainda hoje, enfrenta os resquícios de um modelo excluidor e autoritário. Os desafios enfrentados pela democracia brasileira, tais como a desigualdade social, a concentração de poder e a exclusão de grandes parcelas da população, têm suas raízes nas contradições dessa fase republicana inicial. A luta pela cidadania plena é, assim, um legado das resistências do período republicano e continua a ser um dos maiores desafios do Brasil contemporâneo.

Referências Bibliográficas

  • FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Edusp, 2007.
  • CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
  • FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org.). O Brasil republicano: o tempo do liberalismo excludente. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (v. 1).

Autor: Paulo Henrique Pereira Ferreira.
Professor de História. Licenciado em História pela UEL. Especialista em Docência e Prática do Ensino de História.


Como citar este artigo:
FERREIRA, Paulo Henrique Pereira. A Primeira República no Brasil (1889-1930). Blog Educar História, [s.d.]. Disponível em: https://educarhistoria.com.br/a-primeira-republica-1889-1930-republica-velha-republica-das-oligarquias/. Acesso em: 10 mai. 2025.

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