Resumo:O Regime Militar no Brasil (1964–1985) foi um período autoritário iniciado com o Golpe Civil-Militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart. Segundo o historiador Marcos Napolitano, tratou-se de uma ditadura militar, marcada pela supressão das liberdades democráticas, repressão sistemática aos opositores, censura à imprensa e controle ideológico da sociedade. O regime justificava-se pelo combate ao comunismo e à desordem, promovendo um projeto de poder autoritário, aliado a um modelo econômico desenvolvimentista, inspirado na modernização conservadora e no crescimento econômico acelerado. O golpe e a sustentação do regime foram apoiados por setores civis conservadores e contaram com o aval dos Estados Unidos, que buscavam conter o avanço de governos de esquerda na América Latina.
A ascensão dos militares ao poder no Brasil deve ser compreendida dentro do contexto internacional da Guerra Fria, período de tensão ideológica, militar e política entre os Estados Unidos e a União Soviética. Nesse cenário, os EUA desenvolveram uma política externa baseada na Doutrina Truman e na contenção do comunismo, que se materializou na América Latina por meio da Doutrina de Segurança Nacional. Essa doutrina, incorporada pelas Forças Armadas brasileiras, legitimava a vigilância permanente sobre a sociedade e o uso da força contra qualquer movimento considerado subversivo ou anticapitalista.
Com apoio logístico e político dos EUA, o regime brasileiro adotou práticas autoritárias sob a justificativa de defender a “ordem” e o “progresso econômico”. Esse alinhamento com os interesses geopolíticos do bloco capitalista também favoreceu o desenvolvimento de um projeto econômico modernizador, exemplificado pelo chamado Milagre Econômico, embora acompanhado pelo aumento das desigualdades sociais, concentração de renda, violência institucionalizada, repressão e eliminação de direitos civis.
A oposição ao regime cresceu com o tempo, especialmente nas décadas de 1970 e 1980, impulsionada por movimentos sociais, intelectuais, a ação de setores progressistas da Igreja, greves operárias e o movimento Diretas Já, que contribuíram para o processo de redemocratização. Este artigo apresenta as causas, características, fases e legados desse período fundamental da história do Brasil.
📚 Navegue pelo conteúdo:
- O Golpe de 1964: Contexto e Alianças
- A Consolidação do Regime e os Atos Institucionais
- A Política dos Presidentes Militares
- O Milagre Econômico: Crescimento com Exclusão
- A Copa do Mundo de 1970: Propaganda da Ditadura
- Repressão, Censura e Violência de Estado
- A Resistência e os Movimentos Sociais
- A Abertura Política e o Fim do Regime
- Contexto internacional: Interligações com outros temas históricos
- 🧠 Esquema Resumo: O que foi o Regime Militar no Brasil?
- Conclusão
- 📚 Referências Bibliográficas
O Golpe de 1964: Contexto e Alianças
O golpe civil-militar de 1964 não foi um evento isolado, mas resultado de uma complexa conjuntura política, econômica e social. O Brasil vivia um momento de polarização ideológica, reflexo da Guerra Fria que dividia o mundo entre os blocos capitalista e socialista. O governo de João Goulart (1961–1964) enfrentava sérias dificuldades econômicas, com inflação crescente e desaceleração do crescimento — herança do desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek.
Goulart ascendeu ao poder em circunstâncias atípicas, após a renúncia de Jânio Quadros, e enfrentou resistência desde o início. Sua aproximação com setores da esquerda e o anúncio das chamadas “Reformas de Base” — que incluíam a reforma agrária, tributária, bancária, eleitoral e educacional — provocaram forte reação dos setores conservadores. A tentativa de implementar essas reformas gerou o temor, entre as elites econômicas e militares, de que o Brasil pudesse seguir um caminho socialista, semelhante ao de Cuba após a revolução de 1959.
O comício na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, no qual Goulart defendeu as reformas, e a reunião com sargentos e suboficiais da Marinha, dias depois, foram interpretados como sinais de radicalização. Como reação, organizou-se a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, manifestação que reuniu setores da classe média urbana e da Igreja Católica contrários ao governo.
O golpe contou com amplo apoio civil: empresários, latifundiários, setores da Igreja Católica, grande imprensa e parcela significativa da classe média urbana apoiaram a deposição de Goulart. Internacionalmente, os Estados Unidos, no contexto da Doutrina de Segurança Nacional, ofereceram apoio logístico por meio da “Operação Brother Sam”, que previa o envio de navios e armamentos caso houvesse resistência. Esse suporte estrangeiro foi decisivo para dar confiança aos golpistas.
Em 31 de março de 1964, tropas militares saíram de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro. Sem encontrar resistência organizada e percebendo o isolamento político, Goulart deixou o país rumo ao Uruguai. Em 9 de abril, foi editado o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que deu poderes extraordinários ao Executivo, marcando o início formal do regime militar.
A Consolidação do Regime e os Atos Institucionais
A consolidação do regime militar ocorreu por meio de diversos mecanismos jurídicos que conferiram uma aparência de legalidade ao autoritarismo. Os Atos Institucionais (AIs) foram os principais instrumentos utilizados para modificar a estrutura constitucional e garantir poderes excepcionais aos militares.
O AI-1, editado logo após o golpe, ampliou os poderes do Executivo, suspendeu garantias constitucionais e estabeleceu eleições indiretas para presidente. Com base nele, foram cassados os mandatos de 49 deputados federais e suspensos os direitos políticos de centenas de líderes políticos, sindicais e intelectuais.
Em 1965, após a vitória de candidatos da oposição em importantes estados nas eleições para governador, o regime editou o AI-2, que extinguiu os partidos políticos existentes e instituiu o bipartidarismo: de um lado, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido governista; de outro, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), oposição consentida.
O AI-3, de 1966, estendeu as eleições indiretas para governadores, e o AI-4 convocou o Congresso Nacional para votar uma nova Constituição. Promulgada em 1967, a nova carta constitucional institucionalizou o regime autoritário, mantendo uma fachada democrática.
O período mais repressivo foi inaugurado em 13 de dezembro de 1968, com a edição do AI-5, que suspendeu o habeas corpus para crimes políticos, fechou o Congresso Nacional, autorizou intervenções em estados e municípios e suspendeu garantias constitucionais. Esse instrumento conferiu poderes quase ilimitados ao presidente da República, iniciando os chamados “anos de chumbo” da ditadura.
Em 1969, a Junta Militar que assumiu o poder após o afastamento do presidente Costa e Silva por motivos de saúde outorgou a Emenda Constitucional nº 1, que, na prática, foi uma nova Constituição, ainda mais autoritária que a anterior. O aparato legal consolidado nesse período visava não apenas reprimir a oposição, mas também criar mecanismos de controle sobre a sociedade e as instituições, estabelecendo a chamada “democracia relativa” ou “ditadura constitucional”.
🗂️ Resumo: Os 5 Primeiros Atos Institucionais da Ditadura Militar
📜 AI-1 (1964) |
– Ampliou os poderes do presidente da República. – Suspendeu garantias constitucionais. – Instituiu eleições indiretas para presidente. – Cassação de 49 deputados federais e suspensão dos direitos políticos de centenas. |
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📜 AI-2 (1965) |
– Extinção dos partidos políticos existentes. – Implantação do bipartidarismo: • ARENA (situação/governo) • MDB (oposição permitida) – Reação à vitória da oposição em eleições estaduais. |
📜 AI-3 (1966) |
– Estendeu as eleições indiretas para os governadores. – Prefeitos de capitais passaram a ser nomeados pelos governadores. – Controle centralizado das instâncias do poder. |
📜 AI-4 (1966) |
– Convocou o Congresso Nacional para elaborar uma nova Constituição. – Constituição de 1967 foi aprovada sob regime de exceção. – Formalização do autoritarismo com aparência legalista. |
📜 AI-5 (1968) |
– Marco do auge da repressão e dos “anos de chumbo”. – Fechamento do Congresso Nacional. – Suspensão do habeas corpus para crimes políticos. – Intervenções em estados e municípios. – Suspensão de garantias constitucionais e ampliação do poder do presidente. |
A Política dos Presidentes Militares
O regime militar brasileiro (1964–1985) teve cinco presidentes, todos generais, cujos mandatos apresentaram características políticas e econômicas distintas.
O marechal Humberto de Alencar Castello Branco (1964–1967) assumiu com o discurso de que seu governo seria provisório, com a missão de “restaurar a democracia”. Seu mandato foi marcado por medidas de estabilização econômica por meio do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), que combateu a inflação às custas de arrocho salarial. No plano político, seu governo lançou as bases institucionais do regime com os primeiros Atos Institucionais.
O general Arthur da Costa e Silva (1967–1969) assumiu em um cenário de intensos protestos estudantis e greves operárias. Seu governo respondeu com maior repressão, culminando na edição do AI-5 em dezembro de 1968, que marcou o início dos chamados “anos de chumbo”. Afastado por motivos de saúde em agosto de 1969, Costa e Silva foi substituído por uma junta militar, que impediu a posse do vice-presidente civil Pedro Aleixo.
O general Emílio Garrastazu Médici (1969–1974) liderou o período mais repressivo da ditadura, coincidindo com o auge do chamado “milagre econômico”. Durante seu governo, houve intensa repressão a movimentos de guerrilha urbana e rural, enquanto a propaganda oficial nacionalista foi intensificada, especialmente após o tricampeonato na Copa do Mundo de 1970, com o slogan: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
O general Ernesto Geisel (1974–1979) deu início ao processo de “distensão política”, que definia como “lento, gradual e seguro”. Seu governo enfrentou oposição da linha-dura militar, especialmente após as mortes do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho nas dependências do DOI-CODI em São Paulo. Em 1978, Geisel revogou o AI-5 e restabeleceu o habeas corpus para crimes políticos, sinalizando o início da abertura política.
O general João Baptista Figueiredo (1979–1985), último presidente do regime militar, aprofundou a abertura com a Lei da Anistia (1979) e o retorno ao pluripartidarismo. Seu governo foi marcado por uma grave crise econômica, com alta inflação e recessão. A mobilização social crescente, liderada pela campanha das “Diretas Já” (1983–1984), pressionou pelo fim do regime. Apesar da derrota da Emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas, o regime militar chegou ao fim com a eleição indireta de Tancredo Neves.
O Milagre Econômico: Crescimento com Exclusão
O período conhecido como “milagre econômico brasileiro” (1968–1973) foi marcado por taxas excepcionais de crescimento do PIB, que chegaram a atingir 14% ao ano. Esse desenvolvimento acelerado foi impulsionado por uma política econômica baseada em três pilares fundamentais: investimento estatal em infraestrutura, atração de capital estrangeiro e contenção salarial.
O modelo adotado privilegiou grandes projetos de infraestrutura, apelidados de “obras faraônicas”, como a Ponte Rio-Niterói, a Usina Hidrelétrica de Itaipu, a Rodovia Transamazônica e o Programa Nuclear Brasileiro. Esses empreendimentos foram viabilizados por meio do endividamento externo, aproveitando-se do contexto de grande liquidez internacional na época.
A estratégia de crescimento incentivou a concentração industrial na região Centro-Sul, com ênfase no setor de bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, voltados às classes médias e altas. A expansão do crédito ao consumidor estimulou o consumo desses produtos, enquanto o arrocho salarial mantinha os custos de produção baixos e aumentava os lucros empresariais.
Apesar do crescimento expressivo, os benefícios do “milagre” não foram distribuídos igualmente. A concentração de renda aumentou significativamente. O então ministro da Fazenda, Delfim Netto, defendia que era preciso “fazer o bolo crescer para depois dividir”. No entanto, os reajustes salariais abaixo da inflação real resultaram em perda do poder aquisitivo dos trabalhadores e aprofundaram as desigualdades sociais.
A partir de 1973, o modelo começou a dar sinais de esgotamento com o primeiro choque do petróleo, que quadruplicou os preços do combustível no mercado internacional. A crise energética expôs a dependência brasileira do petróleo importado e do capital externo. A dívida externa, que sustentava o crescimento, saltou de US$ 3,9 bilhões em 1968 para US$ 12,6 bilhões em 1973.
O governo Geisel tentou manter o crescimento por meio do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que priorizou indústrias de base e a substituição de importações de insumos industriais e fontes de energia. Contudo, o segundo choque do petróleo (1979) e o aumento das taxas de juros internacionais agravaram a situação econômica. O país mergulhou na grave crise econômica dos anos 1980, período que ficou conhecido como a “década perdida”.
A Copa do Mundo de 1970: Propaganda da Ditadura
A conquista do tricampeonato mundial de futebol pela seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970, no México, foi habilmente apropriada pelo regime militar como instrumento de propaganda política e de construção de uma identidade nacional positiva associada ao governo. Esse evento esportivo transcendeu as quatro linhas e se transformou em um símbolo do projeto de Brasil Grande que o regime desejava promover.
A expectativa para o torneio começou bem antes da competição. Após a decepção com a eliminação precoce na Copa de 1966, o governo militar passou a intervir diretamente na preparação da seleção. Foi criada a Comissão Técnica de Futebol, subordinada ao Conselho Nacional de Desportos (CND), órgão ligado ao Ministério da Educação. O técnico João Saldanha, crítico do regime, foi substituído por Mário Zagallo pouco antes do início da competição, evidenciando o controle político sobre o esporte.
A campanha vitoriosa no México, com uma equipe formada por craques como Pelé, Tostão, Rivellino e Jairzinho, foi transmitida ao vivo e em cores para o Brasil pela primeira vez, embora poucos brasileiros possuíssem televisores coloridos na época. As transmissões contribuíram para criar um sentimento de unidade nacional e orgulho popular, sentimentos que o regime procurou associar a si mesmo.
Após a vitória por 4 a 1 sobre a Itália na final, o presidente Emílio Garrastazu Médici recebeu os jogadores no Palácio do Planalto e apareceu em diversas imagens ao lado da taça e dos atletas. A cena do general comemorando gols com um radinho de pilha se tornou símbolo da tentativa de humanização da figura presidencial durante o período mais repressivo da ditadura.
A propaganda oficial explorou intensamente o sucesso esportivo, utilizando slogans como “Ninguém segura este país” e “Brasil: ame-o ou deixe-o”, que buscavam associar o êxito no futebol ao suposto sucesso do modelo econômico e político do regime. A música “Pra Frente Brasil”, composta por Miguel Gustavo, tornou-se não apenas um hino da seleção, mas também um símbolo do otimismo nacionalista promovido pela ditadura.
Essa associação entre futebol e política não passou sem resistências. Diversos jogadores, como Tostão e Afonsinho, criticaram posteriormente a instrumentalização política da vitória esportiva. Apesar disso, o tricampeonato serviu para arrefecer temporariamente as críticas ao regime, justamente em um momento em que a repressão política atingia seu auge e a guerrilha urbana intensificava suas ações.
Repressão, Censura e Violência de Estado
O aparato repressivo do regime militar brasileiro foi sendo aperfeiçoado ao longo dos anos, alcançando seu ápice após a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de 1968. A perseguição a opositores políticos tornou-se sistemática e institucionalizada, operando por meio de diversos órgãos de segurança e informação.
O Sistema Nacional de Informações (SNI), criado em 1964 com funções iniciais de inteligência, tornou-se o núcleo de uma rede repressiva que incluía os serviços secretos das três Forças Armadas: o CIE (Exército), o CENIMAR (Marinha) e o CISA (Aeronáutica). Em 1969, foram criados os DOI-CODI (Destacamentos de Operações de Informações – Centros de Operações de Defesa Interna), unidades militares especializadas no combate à chamada “subversão interna”, que se notabilizaram pelo uso sistemático da tortura.
A tortura foi amplamente empregada como método de investigação e intimidação. Técnicas como choques elétricos, pau-de-arara, afogamentos, espancamentos e violência sexual eram comuns nos porões da ditadura. Estima-se que mais de 20 mil brasileiros tenham sido torturados. Além da violência física, práticas de tortura psicológica, como ameaças a familiares e simulações de execução, também eram recorrentes.
A violência de Estado resultou em centenas de mortes e desaparecimentos forçados. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, 434 pessoas foram mortas ou desapareceram por razões políticas durante o regime. Casos emblemáticos como os de Stuart Angel, Rubens Paiva e Vladimir Herzog revelam a brutalidade da repressão. Na área rural, a repressão contra camponeses e povos indígenas foi especialmente intensa, destacando-se a violenta repressão à Guerrilha do Araguaia (1972–1974).
A censura prévia foi um dos principais instrumentos de controle social exercido pela ditadura. Os meios de comunicação eram impedidos de publicar notícias sobre manifestações estudantis, greves operárias, críticas ao governo ou denúncias de tortura. Jornais como O Estado de São Paulo protestavam de forma velada, substituindo matérias censuradas por poemas de Camões ou receitas culinárias.
A produção cultural brasileira também foi alvo de intensa repressão. Músicas, peças teatrais, filmes e livros eram submetidos à análise dos censores, e muitas obras foram proibidas. Artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Geraldo Vandré tiveram canções censuradas e alguns foram obrigados a se exilar. O AI-5 permitiu ainda a cassação de professores universitários e a criação de assessorias de segurança e informação nas universidades, com o objetivo de vigiar atividades acadêmicas.
A Lei de Segurança Nacional, reformulada em 1969, passou a tipificar crimes como “propaganda subversiva” e “guerra psicológica adversa”. Esses conceitos vagos possibilitavam o enquadramento de quase qualquer forma de crítica ao regime como crime contra a segurança nacional, julgado pela Justiça Militar.
A Resistência e os Movimentos Sociais
A resistência à ditadura militar brasileira assumiu múltiplas formas ao longo dos 21 anos de regime autoritário, adaptando-se à intensidade da repressão e às possibilidades de organização política disponíveis em cada contexto.
Nos primeiros anos após o golpe de 1964, a resistência estudantil destacou-se como um dos principais focos de oposição. A União Nacional dos Estudantes (UNE), mesmo na ilegalidade, organizou manifestações e protestos que culminaram na histórica Passeata dos Cem Mil, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1968. A morte do estudante Edson Luís, em março do mesmo ano, no Restaurante Calabouço, tornou-se um símbolo da brutalidade policial e gerou grande comoção nacional.
Com o endurecimento do regime após o AI-5, em dezembro de 1968, parte da oposição optou por estratégias de luta armada. Grupos como a Aliança Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) realizaram ações como assaltos a bancos, sequestros de diplomatas com o objetivo de libertar presos políticos e ataques a instalações militares. A experiência mais duradoura foi a Guerrilha do Araguaia, organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na região amazônica entre 1972 e 1974, que foi violentamente reprimida pelas Forças Armadas.
A Igreja Católica, que inicialmente apoiou o golpe, passou a desempenhar um papel importante na defesa dos direitos humanos e na denúncia dos abusos do regime, especialmente após o Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín, eventos que impulsionaram a Teologia da Libertação na América Latina. Organizações como a Comissão Justiça e Paz e as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) prestaram apoio aos movimentos sociais e às vítimas da repressão. Destacaram-se figuras como Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Hélder Câmara e Dom Pedro Casaldáliga.
No campo cultural, artistas e intelectuais criaram linguagens metafóricas para driblar a censura e expressar críticas ao regime. Movimentos como o Cinema Novo, o Teatro de Arena, o Tropicalismo e a Música Popular Brasileira (MPB) desenvolveram obras que, de forma alegórica, mantinham viva a resistência cultural à ditadura.
A partir da segunda metade da década de 1970, com o início do processo de abertura política, novos movimentos sociais ganharam força. O movimento sindical, especialmente no ABC paulista, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, organizou as greves de 1978 a 1980, desafiando a Lei de Greve e a política salarial imposta pelo regime. Movimentos de bairro, associações de moradores, clubes de mães e o Movimento do Custo de Vida também cresceram, articulando demandas sociais e políticas.
O movimento pela anistia, articulado a partir de 1975 pelos Comitês Brasileiros pela Anistia, foi um marco da mobilização popular. Unificando diversos setores da sociedade civil, a campanha reivindicava a “anistia ampla, geral e irrestrita” para o retorno dos exilados e a libertação dos presos políticos. A Lei da Anistia, aprovada em 1979, mesmo com limitações, representou uma conquista significativa da resistência civil à ditadura.
A Abertura Política e o Fim do Regime Militar
O processo de abertura política no Brasil teve início durante o governo Ernesto Geisel (1974–1979) e foi concluído sob a presidência de João Figueiredo (1979–1985). A transição foi oficialmente descrita como “lenta, gradual e segura”, refletindo tanto as intenções de controle do processo por parte das Forças Armadas quanto as disputas internas entre a chamada “linha dura”, defensora da manutenção do autoritarismo, e os “moderados”, que reconheciam a necessidade de uma saída política negociada.
Diversos fatores contribuíram para a decisão de iniciar a distensão: o desgaste político do regime após os chamados “anos de chumbo”, o fim do “milagre econômico” com a crise do petróleo de 1973, o isolamento internacional provocado pelas denúncias de violações de direitos humanos e a intenção de preservar os interesses das Forças Armadas em um cenário de redemocratização.
As primeiras medidas da abertura incluíram a redução da censura à imprensa, a tolerância ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que obteve importante vitória nas eleições legislativas de 1974, e o anúncio da retomada progressiva das garantias legais. Ainda assim, a resistência da linha dura militar resultou em graves episódios, como a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e do operário Manoel Fiel Filho, em 1976, ambos nas dependências do DOI-CODI em São Paulo.
Em 1978, o governo Geisel revogou o Ato Institucional nº 5 (AI-5) e restabeleceu o habeas corpus para crimes políticos. No governo Figueiredo, foi sancionada a Lei da Anistia (1979), que permitiu o retorno dos exilados, mas também garantiu impunidade aos agentes da repressão. A reforma partidária de 1979 extinguiu o bipartidarismo, originando novos partidos, como PMDB, PT, PDT e PTB, enquanto a antiga ARENA transformou-se em PDS.
A crise econômica dos anos 1980, com inflação alta e recessão, aprofundou o desgaste do regime militar. A sociedade civil organizada passou a exercer papel cada vez mais ativo, com destaque para as greves do ABC paulista (1978–1980), a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o fortalecimento dos movimentos sociais urbanos e rurais.
O auge da mobilização popular deu-se com a campanha Diretas Já (1983–1984), que levou milhões de brasileiros às ruas exigindo eleições diretas para presidente. Apesar da forte adesão popular, a Emenda Dante de Oliveira, que propunha o retorno das eleições diretas, foi rejeitada na Câmara dos Deputados em abril de 1984, por não alcançar o quórum necessário.
A solução encontrada foi a realização de eleição indireta para presidente no Colégio Eleitoral. A oposição, reunida na Aliança Democrática (aliança entre PMDB e dissidentes do regime), lançou Tancredo NevesPaulo Maluf, o candidato oficial do governo, em janeiro de 1985. No entanto, Tancredo adoeceu na véspera da posse e faleceu semanas depois. Com isso, José Sarney, vice-presidente eleito e ex-líder do partido governista que migrara para a oposição, assumiu a presidência.
Apesar do caráter contraditório da transição, com a ausência de eleições diretas e a preservação de setores do regime militar no novo governo, o ano de 1985 marcou o fim formal da ditadura militar. Contudo, diversas estruturas autoritárias foram mantidas, fenômeno que alguns historiadores denominam de “entulho autoritário”, caracterizando as limitações da redemocratização brasileira.
🔗 Contexto internacional: Interligações com outros temas históricos
O regime militar brasileiro (1964-1985) conecta-se profundamente com diversos processos históricos nacionais e internacionais, formando uma intrincada rede de interligações que ajudam a compreender tanto suas causas quanto seus desdobramentos.
No contexto da Guerra Fria, o golpe militar brasileiro insere-se na estratégia norte-americana de contenção do comunismo na América Latina, especialmente após a Revolução Cubana de 1959. A Doutrina de Segurança Nacional, elaborada nos EUA e disseminada através da Escola das Américas, formou a base ideológica que justificou a instalação de regimes autoritários em vários países do continente: Chile (1973), Uruguai (1973), Argentina (1976), entre outros. Esses regimes coordenaram ações repressivas através da Operação Condor, compartilhando informações e colaborando na perseguição a opositores além das fronteiras nacionais.
No plano econômico, o modelo de desenvolvimento adotado pelos militares aprofundou tendências iniciadas no período democrático anterior (1946-1964). O nacional-desenvolvimentismo de Vargas e Kubitschek foi substituído por um desenvolvimento associado ao capital estrangeiro, com crescente desnacionalização da economia. A concentração industrial no Centro-Sul acentuou as desigualdades regionais, enquanto os projetos de ocupação da Amazônia, como o PIN (Programa de Integração Nacional), provocaram graves impactos ambientais e conflitos com populações indígenas e tradicionais.
A história social brasileira também foi profundamente marcada pelo período. As políticas de arrocho salarial intensificaram o processo de concentração de renda, fazendo com que o Brasil se tornasse um dos países mais desiguais do mundo. A expansão da fronteira agrícola sem reforma agrária agravou os conflitos no campo, enquanto a urbanização acelerada e sem planejamento adequado resultou no crescimento desordenado das periferias urbanas.
Na esfera cultural, o regime militar coincidiu com a consolidação da indústria cultural e da televisão como meios de comunicação de massa. Emissora de TV, com apoio do grupo norte-americano Time-Life, tornou-se hegemônica no cenário midiático, contribuindo para a construção de uma identidade nacional homogeneizadora. Ao mesmo tempo, movimentos como o Tropicalismo e o Cinema Novo buscavam reinterpretar criticamente a realidade brasileira, em diálogo com as vanguardas internacionais.
O legado do regime militar para a história política brasileira inclui o fortalecimento do presidencialismo e do poder Executivo em detrimento dos outros poderes, tendência que persistiu após a redemocratização. A Lei da Anistia de 1979, que impediu a punição dos agentes da repressão, deixou como herança uma justiça de transição incompleta, diferentemente do ocorrido em países como Argentina e Chile.
Por fim, a experiência autoritária moldou o processo de reconstrução democrática. A Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, foi em grande parte uma resposta às violações de direitos ocorridas durante o regime militar, consagrando garantias fundamentais e mecanismos de participação popular. No entanto, a transição negociada e a permanência de atores e estruturas do regime anterior na Nova República evidenciam os limites dessa ruptura, configurando o que alguns historiadores denominam “modernização conservadora”.
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Regime Militar no Brasil(1964–1985)
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