História do Brasil

Resumo

O fim do Estado Novo em 1945 marcou o encerramento do regime ditatorial de Getúlio Vargas e o início de uma nova fase política no Brasil: a República Populista. Com a promulgação da Constituição de 1946, o país restabeleceu a democracia, permitindo eleições diretas, liberdade partidária e garantias civis.

Esse período, que vai de 1945 a 1964, foi marcado por governos civis com forte retórica popular e tentativa de aproximação com os trabalhadores urbanos. O populismo se consolidou como uma estratégia política baseada em lideranças carismáticas, políticas sociais de apelo popular e discurso voltado ao “povo”, embora os governos buscassem também atender aos interesses das elites econômicas e militares.

No cenário internacional, o Brasil alinhou-se aos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria, adotando uma postura anticomunista. Internamente, o país viveu a disputa entre dois projetos de desenvolvimento:

  • Projeto nacionalista: Defendia a intervenção do Estado na economia, fortalecimento das empresas nacionais e reformas sociais, como a reforma agrária. Representado por Vargas e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
  • Projeto liberal: Favorecia a entrada de capital estrangeiro, menor participação estatal e oposição a reformas sociais. Era defendido pela União Democrática Nacional (UDN) e apoiado pelas elites conservadoras.

Essa fase da história brasileira foi marcada por instabilidade política, crises econômicas e intensos conflitos ideológicos, que culminaram no Golpe Civil-Militar de 1964, encerrando o período populista e inaugurando a ditadura militar.

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Contexto histórico: o fim do Estado Novo e a redemocratização

O término do Estado Novo, em 1945, marcou o encerramento de um regime ditatorial instaurado por Getúlio Vargas desde 1937. Com sua deposição pelas Forças Armadas, o Brasil ingressou em um novo ciclo político caracterizado pela retomada das liberdades democráticas. A promulgação da Constituição de 1946 restabeleceu as eleições diretas, a pluralidade partidária e os direitos civis, abrindo caminho para o que os historiadores denominam como República Populista.

Esse período se estende de 1945 a 1964 e é compreendido como uma fase de transição entre o autoritarismo do Estado Novo e o regime militar que se instauraria após o golpe civil-militar. Durante essas quase duas décadas, o Brasil foi governado por presidentes civis eleitos — ainda que sob forte influência militar — que adotaram uma retórica voltada ao povo e procuraram estabelecer vínculos diretos com as massas urbanas, sobretudo os trabalhadores. Foi nesse contexto que o populismo se consolidou como uma forma de atuação política no país.

O termo populismo, no caso brasileiro, refere-se a um tipo de liderança carismática, centrada na figura do líder que promete representar diretamente os interesses do povo, especialmente dos setores urbanos e operários. Essa relação era construída por meio de discursos emocionais, políticas sociais de apelo popular, controle dos sindicatos e práticas paternalistas. Apesar dessa proximidade com as massas, os governos populistas frequentemente buscavam conciliar interesses populares com os das elites econômicas e das Forças Armadas, resultando em um cenário político marcado por contradições, instabilidade institucional e crises econômicas recorrentes.

Brasil e a Guerra Fria: alinhamento internacional e disputas internas

O contexto da Guerra Fria influenciou profundamente a política brasileira nesse período. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo foi dividido entre dois blocos ideológicos: de um lado, os Estados Unidos e o capitalismo liberal; de outro, a União Soviética e o socialismo soviético. O Brasil, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, optou por um alinhamento político e diplomático com os Estados Unidos, adotando uma postura anticomunista e reforçando a ideia de defesa da democracia liberal, mesmo que de forma restrita e controlada.

⚖️ Projetos Políticos e Econômicos em Conflito no Brasil Populista

Internamente, esse cenário internacional agravou disputas entre dois grandes projetos de desenvolvimento nacional, que se alternavam no poder e disputavam o apoio da população:

  • Nacionalista e intervencionista: Defendia um modelo de desenvolvimento autônomo, com valorização das empresas nacionais, controle sobre o capital estrangeiro, intervenção do Estado na economia e reformas estruturais, como a reforma agrária e a ampliação do direito ao voto para os analfabetos.
  • Esse projeto foi representado por setores ligados ao trabalhismo, como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o próprio Getúlio Vargas em seu segundo governo.

  • Liberal e entreguista: Apostava em uma política de crescimento acelerado por meio de investimentos estrangeiros, com menor presença do Estado na economia. Era contrário à reforma agrária e à ampliação de direitos políticos aos analfabetos.
  • Essa corrente era mais próxima das elites econômicas e setores conservadores, e frequentemente contava com o apoio de grupos empresariais, da imprensa e das Forças Armadas. Essa linha de pensamento era defendida por partidos como a União Democrática Nacional (UDN).

🤝 Dois Projetos em Disputa na República Populista (1945–1964)

Você sabia? Durante a República Populista, o Brasil viveu intensas disputas políticas entre dois grandes projetos de país. Esses projetos refletiam visões diferentes sobre economia, política e o papel do Estado.

⚙️ Projeto Nacionalista e Intervencionista

  • 🔧 Fortalecimento das empresas nacionais
  • 🛑 Controle do capital estrangeiro
  • 🏛️ Presença ativa do Estado na economia
  • 🌱 Apoio à reforma agrária
  • 🗳️ Defesa do voto para analfabetos
  • 👨‍🏭 Representado por Getúlio Vargas e o PTB

💼 Projeto Liberal e Entreguista

  • 💰 Crescimento com investimentos estrangeiros
  • 🚫 Menor intervenção do Estado na economia
  • 🏘️ Contra a reforma agrária
  • 📵 Contra o voto para analfabetos
  • 🇺🇸 Alinhamento com os EUA na Guerra Fria
  • 🧑‍💼 Apoiado pela UDN e setores conservadores

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Segundo Boris Fausto e Lilia Schwarcz, essa polarização entre projetos antagônicos gerou um ambiente político tenso, marcado por sucessivas crises institucionais. A instabilidade gerada por essa disputa ideológica interna foi um dos fatores que contribuíram para o golpe civil-militar de 1964, que pôs fim ao período populista e instaurou uma ditadura militar no Brasil.

Governo Eurico Gaspar Dutra (1946–1951)

O general Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente do Brasil em 1945, com o apoio do próprio Getúlio Vargas, que havia sido deposto pouco antes. Sua eleição marcou a transição entre o autoritarismo do Estado Novo e a tentativa de restauração da democracia liberal no país.

Logo no início de seu mandato, foi promulgada a Constituição de 1946, que restabeleceu garantias democráticas, como eleições diretas, liberdade partidária e independência entre os poderes. Esse marco representou uma retomada do Estado de Direito após anos de centralização do poder.

No cenário da Guerra Fria, o governo Dutra alinhou o Brasil aos Estados Unidos, adotando uma política externa claramente anticomunista. Esse posicionamento se manifestou em 1947, com a cassação do registro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a repressão a movimentos de esquerda. Além disso, o Brasil rompeu relações diplomáticas com a União Soviética, reforçando seu compromisso com o bloco capitalista liderado pelos norte-americanos.

Na esfera econômica, Dutra seguiu uma política liberal, abrindo o mercado nacional às importações de produtos estrangeiros e reduzindo a intervenção estatal. Essa estratégia, porém, teve consequências negativas: o país enfrentou o esgotamento das reservas cambiais, pois gastou grande parte de suas economias comprando do exterior. Como resultado, os últimos anos do governo foram marcados por uma grave crise econômica.

O período também foi caracterizado por tensões sociais, greves operárias e o endurecimento do controle sobre os sindicatos, que passaram a ser tutelados pelo Estado. Apesar do retorno formal da democracia, o governo de Dutra manteve práticas autoritárias na forma de lidar com a oposição e os movimentos sociais organizados.

Segundo Governo de Getúlio Vargas (1951–1954)

Após ter sido deposto em 1945, Getúlio Vargas retornou ao poder em 1951 por meio do voto direto, demonstrando sua popularidade junto às camadas populares. Sua nova gestão apresentou forte caráter nacionalista e trabalhista, com propostas voltadas à defesa da soberania econômica e à valorização da classe trabalhadora.

Durante esse segundo mandato, Vargas promoveu medidas de fortalecimento do Estado como agente econômico. Uma de suas principais iniciativas foi a criação da Petrobras, em 1953, símbolo da campanha “O petróleo é nosso”, que defendia o controle estatal sobre os recursos naturais estratégicos do país. A fundação da estatal representou um marco do projeto de industrialização nacional autônoma.

Na esfera social, o governo Vargas buscou ampliar os direitos trabalhistas, com destaque para o aumento significativo do salário mínimo em 1954, o que beneficiou milhões de trabalhadores urbanos. Também foram promovidas ações de fortalecimento das legislações sociais e trabalhistas, consolidando a imagem de Vargas como o “pai dos pobres”.

Diante da crescente pressão política, especialmente das Forças Armadas e de setores conservadores da sociedade, o governo Vargas enfrentava uma profunda crise institucional em 1954. A tensão agravou-se após o atentado contra Carlos Lacerda, ocorrido na rua Tonelero, no Rio de Janeiro. Lacerda, jornalista e político da UDN, era um dos principais críticos do presidente, episódio conhecido como “atentado da rua Tonelero”. A investigação do atentado apontou envolvimento de membros da Guarda Pessoal de Vargas, o que comprometeu ainda mais sua posição. Em meio à comoção provocada pelo escândalo, os militares passaram a exigir sua renúncia imediata, acusando-o de ter perdido as condições morais e políticas para continuar governando.

Isolado politicamente e vendo-se sem apoio suficiente para resistir a uma possível deposição, Getúlio Vargas decidiu tirar a própria vida em 24 de agosto de 1954, com um tiro no peito, em seu quarto no Palácio do Catete, sede do governo no Rio de Janeiro. Antes de morrer, deixou uma carta-testamento em que denunciava as elites econômicas e os interesses estrangeiros que, segundo ele, o haviam combatido por defender os pobres e a soberania nacional. Sua morte gerou grande comoção popular, com multidões nas ruas em protesto contra seus opositores e em defesa de seu legado.

O suicídio de Vargas teve profundo impacto simbólico na política brasileira. Seu gesto foi interpretado por muitos como um sacrifício em nome do povo, transformando-o em um mártir para as classes populares. A morte interrompeu momentaneamente a ofensiva conservadora, mas deixou marcas profundas na trajetória política do país, sendo considerada um divisor de águas na República Populista e um reflexo da intensa polarização ideológica do período.

🔗 Saiba mais sobre a Era Vargas.

Governo de Juscelino Kubitschek (1956–1961)

O governo de Juscelino Kubitschek, também conhecido como JK, foi marcado por um discurso otimista e desenvolvimentista, cujo principal lema era “50 anos em 5”, sinalizando a proposta de promover em apenas cinco anos o equivalente a cinco décadas de progresso. Eleito com amplo apoio popular e com uma postura conciliadora, JK buscou acelerar o crescimento econômico por meio de um ambicioso programa de investimentos estatais e estímulo à iniciativa privada, especialmente na indústria e infraestrutura.

Para concretizar esse objetivo, foi criado o Plano de Metas, que organizava o investimento público em cinco grandes áreas: energia, transportes, alimentação, indústria de base e educação. Posteriormente, foi acrescentada uma meta-síntese: a construção de Brasília, a nova capital federal. O projeto buscava interiorizar o desenvolvimento, simbolizar a modernidade e consolidar a integração territorial do país.

Durante seu governo, o Brasil viveu uma forte expansão industrial, com destaque para o setor automobilístico, e atraiu uma grande quantidade de investimentos estrangeiros, sobretudo de empresas norte-americanas e europeias. Essa abertura ao capital externo era vista por seus críticos como uma forma de dependência econômica, o que aproximava seu projeto do modelo liberal e pró-Estados Unidos.

Apesar do crescimento econômico, o governo de JK enfrentou sérios problemas fiscais e uma inflação crescente, impulsionada pelo aumento dos gastos públicos e pelo endividamento externo. Ainda assim, Juscelino concluiu seu mandato de forma pacífica, sendo um dos poucos presidentes da República Populista que conseguiram governar até o fim do mandato sem rupturas institucionais.

A construção de Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1960, foi uma das maiores realizações simbólicas e estruturais do governo JK. O projeto, elaborado pelo urbanista Lúcio Costa e pelo arquiteto Oscar Niemeyer, buscava representar uma nova era para o Brasil, com uma capital planejada e moderna no coração do território nacional. O objetivo era estratégico: promover a integração do interior do país, descentralizar o poder político do litoral e reafirmar a soberania sobre o território nacional.

Entretanto, o grandioso projeto modernista teve um lado oculto e socialmente negligenciado. A construção de Brasília só foi possível graças à mão de obra de mais de 30 mil trabalhadores migrantes, vindos principalmente do Nordeste brasileiro. Esses operários, chamados de candangos, enfrentaram condições precárias de trabalho, alojamento improvisado, jornadas exaustivas e baixa remuneração. Apesar de serem os principais responsáveis por erguer a nova capital, muitos não foram incluídos no projeto urbanístico final e acabaram relegados às periferias da cidade, fora do Plano Piloto.

O esforço dos candangos ficou marcado como um exemplo de invisibilidade social no processo de modernização brasileira. Eles foram fundamentais para concretizar a utopia desenvolvimentista de JK, mas suas histórias foram por muito tempo apagadas ou ignoradas nas narrativas oficiais. Hoje, o reconhecimento da importância dos candangos é parte fundamental da memória social da capital federal.

O legado de JK é, até hoje, objeto de debates: de um lado, é lembrado como símbolo do otimismo desenvolvimentista e do avanço industrial; de outro, é criticado pelo aumento da desigualdade regional e pelas bases frágeis do crescimento econômico sustentado por empréstimos e inflação.

Governo de Jânio Quadros (1961)

O governo de Jânio Quadros foi um dos mais curtos e controversos da história republicana do Brasil. Sua trajetória política ganhou força a partir de sua atuação como vereador, deputado e prefeito de São Paulo. Porém, foi com sua eleição para a presidência da República, em 1960, que Jânio alcançou projeção nacional.

Sua campanha ficou marcada por um discurso moralizador e de combate à corrupção. Jânio se apresentava como um político independente, crítico dos partidos tradicionais e defensor da moralidade pública. Um dos principais símbolos de sua campanha foi a vassoura, usada para representar a promessa de “varrer a corrupção” da política brasileira. Essa imagem teve forte apelo popular e contribuiu para que ele fosse eleito com uma expressiva votação.

No entanto, uma vez no poder, Jânio adotou uma série de medidas polêmicas e impopulares. Entre elas, destacam-se a proibição das brigas de galo, do uso de biquínis por misses e o uso de decretos para assuntos considerados triviais. Essas decisões geraram perplexidade e críticas, pois contrastavam com as expectativas de uma gestão focada em reformas estruturais.

Na política externa, Jânio buscou uma posição de neutralidade na Guerra Fria, aproximando-se de países socialistas, o que causou descontentamento entre os setores conservadores e militares. A condecoração de Che Guevara, líder da Revolução Cubana, foi vista como um gesto provocativo, gerando forte repercussão negativa.

Enfrentando resistência no Congresso e isolamento político, Jânio renunciou ao cargo em 25 de agosto de 1961, alegando interferências e falta de apoio. Sua expectativa era que o Congresso recusasse a renúncia e o reconduzisse ao poder com mais autoridade — o que não aconteceu. O vice-presidente João Goulart, seu sucessor constitucional, enfrentava oposição dos militares por suas posições nacionalistas e trabalhistas, o que deu início a uma nova crise institucional.

Governo João Goulart (1961–1964): Reformas e resistência

João Goulart, também conhecido como “Jango”, foi eleito vice-presidente do Brasil em 1960, na mesma eleição que consagrou Jânio Quadros como presidente. Essa eleição refletia a lógica política da época, que permitia votação separada para os cargos do Executivo. Enquanto Jânio representava setores conservadores, Goulart era um herdeiro político do trabalhismo varguista, vinculado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Com a renúncia inesperada de Jânio em agosto de 1961, abriu-se uma crise institucional. Jango encontrava-se em missão diplomática oficial na República Popular da China quando foi comunicado da renúncia. Sua volta ao Brasil causou tensão entre os militares e setores conservadores, que temiam sua ascensão à presidência devido ao seu alinhamento com propostas sociais e sua base de apoio entre os trabalhadores.

Diante do impasse, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, liderou a Campanha da Legalidade, um movimento civil e militar com o objetivo de garantir a posse constitucional de Goulart. Utilizando rádios regionais e conclamando o Exército do Sul à defesa da legalidade, Brizola mobilizou a opinião pública a favor do vice-presidente.

Como solução intermediária, o Congresso Nacional aprovou a adoção do parlamentarismo, limitando os poderes presidenciais e instituindo a figura de um primeiro-ministro. Goulart tomou posse em setembro de 1961 sob esse novo regime, mas sua atuação ficou condicionada à instabilidade política e à falta de consenso entre os partidos.

Em janeiro de 1963, um plebiscito nacional restabeleceu o presidencialismo, com ampla vitória do “sim” nas urnas. Com os poderes plenos restituídos, Goulart passou a articular seu projeto político de transformações sociais por meio das chamadas Reformas de Base, com o objetivo de enfrentar as desigualdades históricas do país.

Essas reformas englobavam:

  • Reforma agrária: redistribuição de terras improdutivas, visando combater a concentração fundiária e melhorar as condições de vida no campo;
  • Reforma urbana: controle do uso e ocupação do solo nas cidades, e promoção de moradias populares;
  • Reforma educacional: ampliação da educação pública e gratuita, combate ao analfabetismo e valorização dos profissionais da educação;
  • Reforma fiscal e bancária: modernização da estrutura tributária, aumento da arrecadação dos mais ricos e controle do sistema financeiro;
  • Reforma política: ampliação da democracia representativa e participação popular na tomada de decisões.

A defesa dessas medidas foi reforçada em um ato público simbólico: o Comício da Central do Brasil, realizado no Rio de Janeiro em 13 de março de 1964. Na ocasião, Goulart discursou diante de uma multidão estimada em mais de 150 mil pessoas, reafirmando seu compromisso com as reformas e o fortalecimento da soberania nacional. O evento, no entanto, intensificou as reações contrárias de setores conservadores, que passaram a acusá-lo de promover uma “república sindicalista” e de estar alinhado com o comunismo internacional.

O governo de Goulart, portanto, foi marcado por uma profunda polarização política e social. As reformas propostas geraram entusiasmo em setores populares e trabalhistas, mas também mobilizaram intensa resistência por parte da elite econômica, da grande imprensa e de setores das Forças Armadas, que enxergavam nelas uma ameaça à ordem tradicional e aos interesses do capital.

Golpe Civil-Militar de 1964: Ruptura da ordem democrática

O Golpe de 1964 foi o resultado de uma articulação entre setores civis e militares que, com o apoio dos Estados Unidos e da grande imprensa, depuseram o presidente João Goulart em 31 de março daquele ano. A ação contou com a participação ativa de empresários, políticos conservadores, religiosos e segmentos das classes médias, preocupados com as Reformas de Base propostas por Goulart e com a possibilidade de aproximação do Brasil com regimes socialistas, em pleno contexto da Guerra Fria.

O termo “golpe civil-militar” é utilizado por diversos historiadores, como Marcos Napolitano, para destacar a participação expressiva de civis no apoio, legitimação e sustentação do regime ditatorial que se instaurou após a deposição de Goulart. Não foi apenas uma tomada de poder pelos militares, mas uma ampla coalizão anticomunista que visava barrar as transformações sociais e econômicas em curso no país.

Entre os episódios marcantes que antecederam o golpe, destaca-se a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por grupos conservadores e setores religiosos em diversas cidades do Brasil. Essas manifestações tinham como objetivo demonstrar repúdio ao governo de Goulart e mobilizar a opinião pública contra o que consideravam uma ameaça comunista.

A imprensa tradicional, representada por grandes jornais como o Correio da Manhã, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil, teve papel central na construção do clima favorável ao golpe. Por meio de editoriais e reportagens, difundiu-se a ideia de que Goulart pretendia instaurar uma ditadura de esquerda no país, justificando, assim, a necessidade de uma “intervenção salvadora”.

Os Estados Unidos, por sua vez, apoiaram diretamente a derrubada de Goulart. Documentos posteriormente revelados mostram que o governo norte-americano monitorava atentamente a situação política brasileira e chegou a preparar a Operação Brother Sam, um plano logístico e militar para garantir o sucesso do golpe, caso houvesse resistência armada do governo.

A construção de um inimigo: o comunismo como ameaça simbólica

Entre os fatores que contribuíram para o Golpe Civil-Militar de 1964, destaca-se a construção simbólica de João Goulart como representante da ameaça comunista no Brasil. Embora Goulart fosse um político identificado com o trabalhismo — defensor de reformas sociais dentro da ordem democrática — ele foi sistematicamente retratado por setores conservadores como o elo entre o Brasil e uma eventual revolução comunista.

Segundo o historiador Marcos Napolitano, a imagem de Goulart como uma figura subversiva foi alimentada por uma campanha ideológica intensa, promovida por militares, empresários, religiosos e pela grande imprensa. Essa campanha resgatava temores profundos da sociedade brasileira — como o medo da perda da propriedade privada, o anticomunismo religioso e a suposta ameaça à família tradicional — e os projetava sobre o governo Jango. A retórica não correspondia à realidade, mas era eficaz para mobilizar o apoio popular à ruptura institucional.

Daniel Aarão Reis destaca que o anticomunismo no Brasil da década de 1960 operava mais como uma ferramenta de mobilização política do que como uma resposta a um perigo real. Os partidos comunistas eram frágeis, e não havia sinais concretos de uma insurreição armada. Ainda assim, a vinculação entre Goulart e o comunismo foi repetida à exaustão, especialmente após sua visita à China em 1961, durante sua passagem como vice-presidente, e por sua postura favorável à ampliação de direitos sociais e reformas estruturais.

A associação de João Goulart ao comunismo integrou uma estratégia mais ampla de criação de um “inimigo interno”, comum em contextos autoritários e de instabilidade política. Essa narrativa foi amplificada por campanhas de desinformação promovidas por setores conservadores da sociedade, como parte da Igreja, a grande imprensa e grupos empresariais, que fomentavam o medo de uma guinada revolucionária semelhante à ocorrida em Cuba. Propostas de reformas sociais passaram a ser vistas como ameaças à ordem, alimentando o pânico moral e criando um clima propício à intervenção militar. O golpe de 1964, nesse contexto, não representou uma resposta improvisada, mas sim o desfecho de uma articulação que envolveu interesses nacionais e internacionais, empenhados em barrar qualquer possibilidade de transformação estrutural no país. A suposta ameaça comunista, portanto, funcionou como uma retórica eficaz para justificar a derrubada de um governo legítimo e preservar os privilégios das elites.

Assim, a construção de João Goulart como inimigo da nação foi uma peça central da lógica golpista. Mais do que combater um comunismo real, o que estava em jogo era impedir reformas sociais e políticas que ameaçavam os interesses das classes dominantes. A ditadura que se instaurou após 1964 baseou-se nesse discurso, perpetuando a repressão em nome de uma “segurança nacional” contra um inimigo que, na prática, jamais existiu como ameaça concreta.

Com a deposição de João Goulart, que se exilou no Uruguai, teve início a ditadura militar (1964–1985), um regime autoritário caracterizado pela concentração de poderes, uso da força repressiva e suspensão das garantias constitucionais. Marcos Napolitano define esse período como uma “ditadura moderna e tecnocrática”, que se legitimava pelo discurso de combate ao comunismo e de modernização do país, mas que se sustentava pela violência institucionalizada.

As principais características da ditadura instaurada após 1964 incluíram:

  • Censura à imprensa, às artes e à educação, restringindo a liberdade de expressão;
  • Supressão de direitos civis e políticos, como o fechamento do Congresso e o cancelamento de mandatos;
  • Perseguição sistemática a opositores políticos, com prisões arbitrárias, tortura e desaparecimentos forçados;
  • Controle dos sindicatos e repressão aos movimentos sociais, como camponeses, operários e estudantes.

A instalação da ditadura militar representou o fim da experiência democrática iniciada com a Constituição de 1946. O golpe de 1964 não foi apenas uma ruptura política, mas também uma tentativa de reorganização autoritária da sociedade brasileira, silenciando as vozes dissonantes e impedindo transformações estruturais que vinham sendo discutidas e exigidas por setores populares.

Embora tenha se apresentado como “revolução redentora”, o novo regime rapidamente mostrou sua face autoritária, instalando um ciclo de repressão política e cerceamento das liberdades que duraria até a redemocratização na década de 1980.

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Conclusão: O legado da República Populista

O período da República Populista (1946–1964) foi fundamental para compreender as mudanças sociais, políticas e econômicas do Brasil no contexto do pós-guerra. Apesar dos avanços em termos de desenvolvimento industrial, valorização dos direitos trabalhistas e ampliação da participação política, esse também foi um momento marcado por instabilidade e disputas entre projetos de país distintos.

O embate entre setores conservadores e propostas de transformação estrutural, como as Reformas de Base defendidas por João Goulart, expôs as fragilidades da democracia brasileira. A tensão crescente culminou com o golpe civil-militar de 1964, que interrompeu o processo democrático e deu início a uma longa ditadura no Brasil.

Mesmo com seu desfecho trágico, o legado da República Populista segue presente nas discussões atuais sobre justiça social, papel do Estado, cidadania e direitos políticos. Compreender esse período é essencial para analisar as raízes de problemas contemporâneos e valorizar as conquistas democráticas do país.

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📚 Referências bibliográficas

  • CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
  • DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: a ação política, a estratégia e os mecanismos do poder. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.
  • FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Edusp, 2013.
  • FUNARI, Pedro Paulo. República e democracia no Brasil. São Paulo: Contexto, 2016.
  • NAPOLITANO, Marcos. 1964: história do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.
  • ROLLEMBERG, Denise. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o movimento estudantil. São Paulo: Contexto, 2002.
  • SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
  • SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917–1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.

Autor: Paulo Henrique Pereira Ferreira.
Professor de História. Licenciado em História pela UEL. Especialista em Docência e Prática do Ensino de História.


Como citar este artigo:
FERREIRA, Paulo Henrique Pereira. República Populista (1946–1964). Blog Educar História, [s.d.]. Disponível em:
https://educarhistoria.com.br/republica-populista-1946-1964/. Acesso em: 10 maio 2025.

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